No I Ching, clássico livro da
sabedoria milenar chinesa, a água é ao mesmo tempo símbolo de perigo e
de resiliência. Em um desfiladeiro, ensina o oráculo chinês, “a água
prossegue fluindo e vai preenchendo todas as depressões que encontra.
Não vacila ante nenhuma passagem perigosa, não retrocede ante nenhuma
queda, e nada a faz perder sua natureza essencial”.
Resiliência é exatamente essa capacidade
de se adaptar sem resistência nem medo dos riscos. Em um cenário de
pressões e mudanças permanentes, é ela que nos torna flexíveis para
promover as transformações necessárias e alcançar um novo estado de
equilíbrio.
Essa qualidade marca também a história da
maioria das empresas familiares. Sua trajetória geralmente começa com um
fundador que, com trabalho duro e determinação, construiu negócios
promissores e duradouros. Em seu percurso de crescimento, ele foi
obrigado a atravessar várias crises internas – características dos
ciclos de expansão da empresa – e também externas, provocadas por
questões políticas, econômicas ou sociais alheias ao controle da
organização.
De modo geral, as empresas familiares são
mais ágeis e flexíveis que as organizações não familiares, sentem-se
mais aptas a explorar nichos de mercado e superar dificuldades. Em uma
pesquisa realizada pela PwC em todo o mundo, inclusive no Brasil, alguns
líderes de organizações familiares afirmaram que a crise econômica
representa uma oportunidade – pois eles conseguem se movimentar
rapidamente para adquirir novos negócios e absorver concorrentes. No
mesmo estudo, 50% das empresas brasileiras disseram que têm a habilidade
de se reinventar a cada nova geração, em comparação com 47% das ouvidas
no mundo.
A resiliência é parte do próprio legado da
família empresária e um dos ingredientes mais importantes de seu
sucesso. A organização consegue administrar bem a tensão entre os
interesses da empresa e os da família, entre as forças da tradição e as
da inovação. Na crise, antecipa-se aos acontecimentos e age
proativamente, em vez de só reagir às situações. Ao mesmo tempo, entende
a importância de preservar seus valores, o senso de dono e os
fundamentos do negócio. As novas gerações promovem as mudanças de rumo
necessárias, inspiradas na própria história do fundador, recuperando seu
legado e entendendo como ele enfrentou as crises anteriores para seguir
adiante. No DNA e nos valores da organização, está o segredo para
avançar em novas direções e reconquistar o equilíbrio.
Essa força para vencer as dificuldades
está também em algumas outras características importantes da empresa
familiar. Consideradas a encarnação do “capital paciente”, essas
organizações investem em mudanças e na expansão dos negócios, mas seu
foco é o longo prazo, envolvendo as próximas gerações. É uma vantagem em
relação às empresas de capital aberto, que precisam prestar contas de
seus resultados a cada trimestre e maximizar o retorno para os
acionistas rapidamente – o que, de certa forma, engessa a resposta à
crise.
Por trás das decisões da família
empresária, estão o amor e a união no eixo familiar, os resultados e a
operação da empresa e a preservação do patrimônio para as próximas
gerações.
As empresas familiares tendem também a
proteger melhor seus talentos. Elas respondem com criatividade às
pressões por reduzir despesas e evitam a todo custo cortar pessoal. Essa
gratidão pelos profissionais que acompanharam a história da organização
– muitas vezes vistos como uma extensão da própria família – é
retribuída com um senso maior de lealdade e comprometimento da equipe.
Nas organizações familiares, a cadeia de
comando é mais simples e menos burocrática. O relacionamento entre
gestores e empregados é mais direto e baseado na confiança. As gerações
mais jovens podem se envolver nos negócios cedo e conhecer o dia a dia e
os desafios da empresa na prática. Isso evita descontinuidades de
políticas, processos e estilos de gestão, ajuda a preservar os valores
fundamentais da organização e permite que a empresa reaja de forma mais
rápida a mudanças no ambiente de negócios para enfrentar crises.
Há também forte senso de responsabilidade e
foco em preservar a integridade do nome da família, que ao longo de sua
história estabeleceu laços fortes com a comunidade. Para manter seu
prestígio e sua reputação, essas organizações têm grande preocupação com
qualidade e serviço e buscam tomar decisões de investimento saudáveis,
que respeitem a natureza.
Consideradas motores importantes do
crescimento econômico ao longo da história, as empresas familiares
atualmente respondem por algo em torno de 80% do PIB global. Por causa
dessa influência no destino de parcela tão grande da população,
entendemos que sua capacidade de empreender, inovar, crescer e se
renovar representa uma lição a ser aprendida e um tema de discussão
relevante não só dentro do ambiente corporativo, mas para toda a
sociedade.
Fonte: Escrito por Mary Nicoliello, diretora responsável pela área de governança para empresas de controle familiar na PwC Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário