Ter uma grande idéia, alimentar um belo ideal, é bom; mas tudo isto não é nada, se o ideal se limita a sonho, e a idéia a visão do espírito. E é por isso que o chefe, para não enveredar por falso caminho, para evitar todo e qualquer apagão entre a inteligência e a vida, deve cultivar em si o sentido da realidade.
A função de chefe não convém ao sonhador que, vivendo na estratosfera, esquece que tem a cabeça sobre os ombros e os pés sobre a terra.
É senhor que não convém ao pessimista mórbido que não querendo ver senão o lado mau das coisas, das pessoas e dos acontecimentos se tornou incapaz de descobrir quaisquer possibilidades ocultas que se lhe possam deparar.
É ofício que não convém ao otimista ingênuo, cuja natural candura o coloca à mercê dos mal intencionados e dos charlatães.
E função que não convém ao falador que julga ter atuado porque falou, e não se dá conta de que, quem paga em palavras, alimenta-se de ilusões.
A não adaptação à realidade e aos homens constitui a primeira inaptidão para o comando.
Sob a influência das filosofias subjetivas, por causa do ensino exageradamente livresco, a inteligência deixou de ser, para muitos, a faculdade de observar a realidade; e passou a ser a faculdade de especular e dissertar brilhantemente. De um homem com habilidades para falar diz-se: "que é inteligente".
Arquiteta sistemas na sua cabeça, conge mina hipóteses; julgar-se-ia em falso, se descesse à realidade das coisas. Residiu aqui a grande fraqueza, em todos os departamentos da atividade nacional, dos nossos estados-maiores. Muitos espíritos brilhantes habituaram-se de tal maneira aos malabarismos dos sistemas financeiros, econômicos, militares, que perderam o contato com as realidades simples da vida humana e previamente com o bom senso.
Ter o sentido da realidade, é primeiramente conhecê-la objetivamente e conhecer o que a realidade pode, no presente e no futuro, conter de possibilidades.
Ver com clareza, com verdade, com justiça tal deve ser a visão do chefe.
A pior deformação do espírito consiste em ver as coisas como se deseja que sejam, em vez de as verem como elas são.
Não vos contenteis com o que vos dizem, aconselhava Foch; ide vós próprios verificar. Não inquiro do vosso pensamento. Dizei-me o que se passa. Os fatos existem. É necessário vê-los. Eles permanecem. Não será com o sentimento que os fareis desaparecer.
Ter o sentido da realidade é conhecer-se a si próprio, conhecer as suas possibilidades tão bem como os seus limites. Isto faz parte dos dados do problema e deve possuir-se coragem para enfrentar o que existe antes de a possuir para promover o que se deseja que exista.
Ter o sentido da realidade, é, longe de se lamentar esterilmente das imperfeições ou se seus subordinados por toda a sua aplicação a utilizá-los segundo as suas capacidades.
Possuir o sentido da realidade é desconfiar das fórmulas feitas. Não existem formulários de reserva nos quais os casos que surgem encontrem solução previamente adaptada. É preciso estudar, resolver cada caso isoladamente. As soluções pré-fabricadas são negócio de funcionário público, isto é, daqueles que não se aventuram ou porque não sabem ou não conhecem senão o famoso "precedente" administrativo, pai daquela "odiosa rotina que paralisa tantas energias, originando tantas esterilidades".
O chefe deve ter sempre o espírito vigilante. Convém que nunca considere como definitiva a sua organização. Em certo aspecto, é mais fácil fundar uma instituição do que mantê-la em bom andamento, porque a vida é coisa tão movediça que se torna necessário um esforço constante de adaptação às condições novas das circunstâncias e das pessoas. O chefe que descansar na rotina depressa perderá o contato com a realidade e se tornará um inadaptado.
O chefe envelhece, não só a partir do momento em que recusa debruçar-se sobre os problemas, mas também a partir do momento em que não se sente com força para renovar os seus conceitos e os seus quadros.
A lufa-lufa da ação leva muitas vezes a esquecer a necessidade, que toda a obra tem, de voltar continuamente às suas origens, ao seu espírito, à sua mística, de pensar no seu futuro. A arrancada fez-se com grande entusiasmo; depois, por falta de tempo, pela absorção do movimento diário, caiu-se no automatismo. Um Chefe de Estado ou um industrial hábil manteriam ao seu lado um grupo de homens de reflexão, apenas com o encargo de continuamente velar pela pureza primitiva da obra em causa, e mantê-la em moldes de inteligência e de espiritualidade. Hoje conviria multiplicar os gabinetes de estudo e de conservação da finalidade em todos os organismos coletivos, considerando a sua função não como amável, mas como uma das funções mais necessárias de todas.
O chefe nunca deve fazer tábua rasa do passado. Quando toma nas mãos as alavancas do comando, não interessa tudo vasculhar e sobretudo convém não dar a impressão de que se pretende fazer alterações pelo simples prazer de alterar qualquer coisa.
Mas, por outro lado, ninguém lhe pode levar a mal que deseje os progressos que, segundo a experiência ou o estudo, se impõem, sem nunca se deixar deter pela objeção "isto sempre se fez assim". O passado interessa para explicar o presente, mas não conseguiria amarrar aqueles que querem preparar o futuro.
"É necessário estudar o seu ofício", repetia Foch constantemente. E ele estuda a fundo todas as tarefas. Primeiro, encarrega os seus colaboradores de as examinar. "Observai também todos os tornos e contornos". Aquele que o informa não deve trazer-lhe impressões: "Não pergunto a vossa opinião, mas coisas precisas, realidades". Mesmo quando pergunta se está frio, não basta responder-lhe: o ar está fresco, mas quanto grau marca o termômetro. Informações seguras, exatas, verificadas, somente os "fatos constituem para ele uma base sólida". Não vos baseeis em frases, mas em fatos. Só com eles podereis construir. Não vos fieis em palavras, a não ser que desejeis receber decepções. Nada de palavras bonitas, nem de sentimentalismo. "Eu penso que", diz-ser "Eu julgo que o inimigo fará isto... ou aquilo", faz-se por esnobismo "Eu penso"... não satisfaz. É preciso ter a certeza! É necessário estudar, verificar as possibilidades, enumerá-las, julgar, decidir, e então a tarefa vai!
Muitas regras consideradas como intangíveis pelos práticos de espírito acanhado deixam de ser aplicáveis por pouco que mudem os dados do problema. Pretender aplicar a estes dados incertos, regras imutáveis, é evidentemente cair no absurdo; também aqueles que aprofundaram questões destas que sejam filósofos ou homens de ação, clamaram em uníssono contra o absurdo das fórmulas feitas:
Nada mais perigoso para o Estado, do que aqueles que desejam governar os reinos com as máximas tiradas de seus livros. (Richelieu)
Poucas máximas são verdadeiras em todos os aspectos. (Vauvenargues)
Na guerra nada pode ser absoluto. (Napoleão)
Nada de moldes, há que saber raciocinar. (Foch)
Possuir o sentido da realidade, é ter o sentido de toda a realidade. Certos espíritos sentem por vezes a tentação de hipnotizar com o pormenor, e de não ver senão esse pormenor. O verdadeiro chefe não perde nunca a visão do conjunto; mantém sempre presente ao seu espírito "o esquema daquilo que está ao seu cargo" o que lhe permite conservar o sentido das proporções e não dar a cada coisa senão a sua importância relativa.
«O chefe, dizia Lyautey, deve ser o técnico das idéias gerais». Mas ter idéias gerais consiste em ver as relações por vezes remotas que ligam dois problemas, em dar à questão presente o seu verdadeiro valor, sem a diminuir, porque deve ter repercussões, sem a aumentar, porque não é a única a interessar-nos - nem deve medrar à custa de outros assuntos ou de outros interesses, também legítimos.
Possuir o sentido da realidade é também desenvolver em si próprio aquele sexto sentido que permite ver num relance as novas possibilidades apresentadas numa mudança de situação, para as utilizar ao tomar nova decisão adaptada às circunstâncias. É preciso saber, na expressão de Talleyrand, "aceitar o inevitável para fazer o utilizável".
O chefe deve manter a sua intuição e fazer com que a sua capacidade construtiva seja temperada com um sentido prático das possibilidades de realização. Não basta lançar-se para diante, sem reflexão, contando unicamente com a sua audácia ou com a sua boa estrela, porque, segundo confessou o próprio Napoleão, "com o audaz, tudo se pode empreender, mas nem tudo se pode fazer".
O grande chefe coloca-nos perante as coisas tais quais são; com. uma diferença apenas, mostrar nos também que dali podemos partir para outras coisas; não a seu bel prazer, mas segundo o bem público; não como visionário, impressionado pela imagem que projeta diante de si, mas como homem clarividente que traça a rota pelo melhor terreno. Submissão, para ele sobretudo, que prefere a realidade à sua idéia, como prefere a missão a si próprio. (Henti Pourrat)
Uns não vêem senão dificuldades, outros pretendem ignorá-las. O preferível é descobrir as possibilidades pensando nas dificuldades e encontrar nas primeiras forças para vencer as segundas.
Quando se é verdadeiramente homem, tomam-se no presente as coisas como são, e trabalha-se para que sejam, no futuro, um pouco mais como devem ser.
Se existe um pessimismo derrotista que consiste em cruzar os braços perante a fatalidade, há também um otimismo pernicioso que alimenta a ilusão sob pretexto de conservar a confiança.
Há planos muito bem feitos; planos não faltam, nem idéias, mas para cada circunstância só existe um bom, e mais nenhum. É talvez o menos brilhante de todos, o menos grandioso, o que menos glória dará, mas é com certeza o único que a realidade torna possível e é esse que é forçoso escolher. O chefe que tem a responsabilidade e toma a decisão deve possuir esta noção do possível. Se lhe falta, pode ser um eminente esteta militar, mas não um verdadeiro chefe.
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